Introdução
Dando sequência à nossa aventura, em fevereiro de 2022, fizemos a travessia de caiaque Cananéia à Ariri. Acordamos bem cedo em Iguape para de carro nos deslocar até Cananéia, exatamente no ponto onde havíamos terminado o primeiro trecho, chegando lá às 6h30 da manhã. Despendemos um bom tempo para descer o caiaque até o pier da casa, montá-lo e carregá-lo, saindo para a água às 8h, com o céu limpo e um sol imponente (protetor solar indispensável!).
Rumo à Ilha do Cardoso
Logo chegamos em Cananéia, pois partimos com maré favorável, de um bairro à apenas 5 km de distância (Agrosolar), e aproveitamos para fazer uma parada rápida, comprando um remédio para a nossa farmácia de aventura.
Dica importante: acertar a “tábua da maré” e, com isso, conseguir aproveitar o sentido da correnteza sempre à favor! Essa região, por estar muito próxima da boca da Barra, as marés costumam ser bastante fortes e rápidas. Evite “lutar” contra.
Nossa primeira parada para descanso foi na Ilha da Casca, com lanche e direito à indispensável cadeirinha! Como é bom descansar após 3 horas ininterruptas.
A Ilha da Casca é uma referência, pois quando se sai de Cananéia, rema-se cruzando uma grande baía, indo em direção ao fundo dessa baía, para contornar a Ilha do Cardoso no sentido anti-horário. A entrada dos canais que acompanham os limites do Cardoso, se dá na Ilha da Casca. Há condições para desembarque e descanso, e não despreze! Porque outro ponto de parada, só mais 2 horas adiante.
Navegando pelos Manguezais e Saboreando a História
Assim que saímos da ilhota, começaram os canais de mangue, serpenteando o entorno da Ilha do Cardoso. Nesse “caminho”, paramos para almoçar sobre um sambaqui gigante! São restos de conchas de mariscos e ostras deixados por povos coletores, os Sambaquieiros. A grande quantidade impressiona, com conchas mergulhando as águas do canal.
De barriga cheia e descansados, já sentíamos que estávamos perto de chegar, mas após uma curva à direita, demos de cara com um vento nordeste que descia a encosta das montanhas do Cardoso, e batia bem forte na proa, dificultando o avanço e exigindo que nós dois remássemos juntos e sincronizados, sem parar, para que o caiaque conseguisse progredir. Fiz até o teste, de apenas um remar com afinco, revezando, mas provou não ser suficiente para deslocar o Marajó avante. Foram os momentos mais duros do dia!
A Alegria de Chegar no Marujá
Após 8 horas remadas (7 a partir de Cananéia), avistamos os primeiros sinais do Marujá! Que alegria fazer isso com a Fabi! O Marujá foi meu destino de refúgio por alguns anos na década de 80, e esse meu “Shangrilá” eu fazia exatamente assim, remando de caiaque. Agora, o prazer de refazer esse caminho com ela, é intangível.
Desembarcamos para uma ducha gelada na pousada da Adriana e do Renatinho, após a logística de esvaziar o caiaque, e levá-lo até a varanda da pousada, e sim, desta vez pousada com banho quente e café da manhã!). Com tudo isso, e ainda sobrou tempo para curtir um final de tarde na praia, e correr para assistir o pôr do sol sobre os contrafortes da Serra do Mar (vista do Canal interior).
Ahh, paraíso!
Marujá: Um Paraíso Intocado
Marujá, na Ilha do Cardoso, impressiona por sua beleza intocada. A ilha é um parque, todo monitorado. No vilarejo onde estávamos, só moram nativos que, além da pesca, sobrevivem do turismo sustentável.
Imagina mergulhar em um mar sem se preocupar com a bandeirinha da Cetesb! Rsrs
No 2º dia, remamos por 1 hora no sentido sul, chegando próximo da nova Barra da Baleia, onde amarramos o caiaque na entrada de uma trilha que nos conduziu até a praia, tudo para fugir da aglomeração, que era de uma dúzia de pessoas, rsrs, mas preferimos ficar sozinhos, e sentir na sua plenitude o sentimento de exclusividade.
Com a vitamina D garantida, voltamos para o caiaque para ir ao Ariri, última vila de pescadores do estado de São Paulo, na divisa com o Paraná, e na entrada do Canal do Varadouro, construído artificialmente para ligar as duas regiões.
Ariri: Um Bairro de Cananéia Aberto aos Turistas
Ariri é considerado um bairro de Cananéia, aberto aos turistas, onde se pode chegar de barco ou de carro.
A quantidade de “voadeiras” (lanchas com motor de popa de 90 ou 115hp) é grande. Cheias de turistas, elas riscam as águas em velocidade, fazendo vários passeios: praias, cachoeiras, trilhas ou até o Restaurante da Dona Maria, considerado um grande evento na região. E lá fomos nós! E valeu a pena!
Sempre bom comer bem sem preços abusivos e poder comer ostras frescas e ainda ficar saudável no dia seguinte! Rsrs
Mas a história do nascimento de Ariri, está ligada à decadência de Ararapira, vilarejo entre Marujá e Ariri, que devido à erosão de suas margens, sofreu com o exôdo de sua população. Mas o fato de Ararapira pertencer ao Paraná e os compromissos legais precisarem ser realizados em Paranaguá também dificultava a vida dos moradores, e sendo Ariri ao lado, na outra margem, e por conta disso em São Paulo, facilitava resolver os compromissos em Cananéia, de acesso mais fácil para os costumes da época, porque não se esqueça que tudo era feito por água.
Encontro com um Construtor de Canoas
Após umas comprinhas no mercadinho, sentamos no banco da praça para a digestão, pois ainda tínhamos toda a remada de volta. Foi quando conhecemos o Sr. Rafael que, apesar da idade, cheio de energia e simpatia, contou parte de sua riquíssima história de vida e experiências.
Entre elas, a de que foi construtor de canoas de madeira, feitas no machado, com todo o capricho para deixá-las alinhadas, com corte preciso para navegar bem ali dentro e também no mar aberto. Ah, hoje não se fazem mais os cortes dessas árvores, que estão proibidos. Apesar da proteção ambiental, a cultura e técnica de se fazer uma canoa de “um pau só” está morrendo… triste. Mas o Sr. Rafael segue firme, cheio de vitalidade!
O Retorno para Marujá
Relativamente perto, remamos 1h15 para voltar ao Marujá, ainda com tempo para curtir mais um final de tarde, sem relógio, sem compromisso, sem pressa.
O Dia de Retorno para Casa: Uma Prova de Superação
O dia de retornar para casa não foi fácil.
As ostras enfim se manifestaram e passei a madrugada em claro, reinando no trono. Pela manhã, desidratado, nada parava no estômago.
Quase desistimos, buscando uma embarcação que pudesse nos dar uma carona, mas ainda insisti por pura teimosia, esperando mais um pouco para ver se haveria condições. Após algumas bolachas água e sal e uma maçã que assentaram bem, decidi encarar o retorno, e a Fabi, mesmo contrariada, consentiu.
Fui me hidratando a cada 10 minutos, mas os braços estavam muito pesados e sem força, e em alguns momentos tinha vontade de fechar os olhos e dormir…não tinha energia, completamente prostrado. A Fabi fez toda a diferença, impressionante o quanto está remando! Sim, ela me trouxe de volta, rsrs. O trunfo foi ela não olhar para trás, assim não me via desfalecendo, kkkk.
Lógico, fui melhorando um pouco, mas não o suficiente, pois a sobrecarga era evidente, já havíamos remado 3 horas e continuei com a hidratação. Ela se sentindo cheia de energia e confiante seguia.
Encalhados e Surpreendidos pela Tempestade
No meio do canal, vimos uma lancha cabinada encalhada. Os canais são cheios de “bancos de areia” e facilmente fazem vítimas, pois uma lancha em velocidade, que erre o canal, irá escorregar sobre o “baixio” e ali ficar presa. Essa lancha esperou a maré subir para desencalhar e seguir viagem.
Próximo a 2/3 da travessia, veio ao nosso encontro uma trovoada de respeito, descendo da Serra do Mar, formada pelo calor intenso sobre a Mata Atlântica super húmida com muitos raios e chuva pesada que mais parecia um manto branco que passava adiante (Soubemos que inundou Cananéia quando passou po lá). Nós retardamos um pouco a remada para deixá-la passar à nossa frente. Deu certo! Protegidos pelo mangue, seguimos só quando nos sentimos seguros, pois não queria enfrentá-la na baía aberta com tanto raio sendo despejado por ela.
Esse “atraso” para deixar a trovoada passar, incluiu uma nova parada na Ilha da Casca para esticar as pernas e reabastecer com um bom sanduíche.
Encontro com Botos Cinza
Na grande baía, encontramos vários grupos de botos cinza, e alguns, de tão perto, chegaram a esbarrar no caiaque! Eles nos atropelaram! Rsrs! Mas, lógico, nessa hora ninguém consegue pegar o celular do bolso!
Foi um grande encontro! Acho que são mais curiosos do que nós! Após o susto do esbarrão, e o sorriso estampado nas nossas faces, seguimos como duas crianças recém presenteadas.
As Últimas Horas: Uma Vitória da Persistência
As duas últimas horas, totalizando 6,5 horas remadas (baixamos o tempo), foram muito difíceis, pois o psicológico não ajudou, e a ansiedade de querer chegar logo bateu nos dois.
Fabi teve uma exigência física extenuante, e o “basta” era muito desejado. Eu por todo o enjoo e queda de resistência, não conseguia mais ficar sentado, não tinha mais posição…a melhor seria deitado, rsrs
Então, remamos com todas as forças mentais que nos restavam, pois esse era o limite. Se o psicológico estiver bom, o corpo aguenta muito mais.
Por conta desse esforço extra, fizemos 2,5hs da Ilha da Casca até Cananéia, e assim que chegamos, decidimos encerrar por ali mesmo, desembarcando com dificuldade, inclusive para tirar o caiaque da água. Após buscar o carro com um Uber, nos encontramos novamente para carregar o carro e retornar para Iguape.
Felizes pelo feito, mais uma etapa cumprida! O sentimento maior, é o de orgulho pela Fá, que se transforma e fica cada vez mais forte a cada nova experiência. Incrível!
Agora, lavar, limpar, secar, guardar…, lembrar, relembrar, sonhar, planejar….
Até a próxima!
Conclusão
A travessia de caiaque Cananéia à Ariri foi uma experiência inesquecível, repleta de paisagens deslumbrantes, desafios e aprendizados. Celebramos a conquista de mais uma etapa dessa aventura.