Raízes em Iguape
Muito prazer, sou Sérgio Ribeiro! A minha história começou em Iguape antes mesmo de nascer. Meus avós paternos eram do Momuna, hoje um bairro, mas em 1890, sítios distantes. Se mudaram para a cidade para tentar a sorte, e através do comércio, criaram seus filhos e os mais novos foram enviados para Minas estudar em um internato e de lá para São Paulo para concluir os estudos. Meu pai iniciou sua carreira em São Paulo e não voltou para Iguape, pois se associando à Universidade como docente, criou um vínculo por toda sua vida profissional. Mas como havia saído de Iguape com apenas 13 anos, conservou uma imagem inabalada por toda a sua vida, transmitindo duas paixões para mim, bem presentes: A Odontologia e Iguape.
As férias em Iguape! O início de uma História de Amor pela Canoagem
A importância das férias por lá (quase todas, rsrs) na minha formação, foi fundamental, pois nelas aprendi boa parte do que sei, fora de uma educação formal. Lá aprendi a nadar, pedalar, velejar, esquiar, pescar, e lógico, remar. No início um barquinho chamado “dentuço” dado por meu pai, que com dois remos nas forquilhas, passeava pelo Valo Grande.
O início da década de 80 foi marcada com a novela “Água Viva” da Rede Globo e a febre do WindSurf. As férias eram maravilhosas, e com o pai, irmãos e primos, mais de 10 pranchas coloriam o Lagamar entre Iguape e Ilha Comprida.
Mas em 1983 surgiu também na Globo, imagens de um novo esporte, a canoagem, com um encontro de canoístas em Visconde de Mauá, no Rio de Janeiro. Aquelas cenas ficaram marcadas. Logo o mercado foi inundado por caiaques “surfinho” e “turismo” , de 3 e 4 metros respectivamente. Marcas consagradas na vela e no windsurf, começaram a fazer seus caiaques, como a famosa Mistral, HiFly e tb os caiaques Prince.
Nesse momento, a geração dos irmãos e primos mais velhos, já haviam começado a vida profissional e as férias já não eram com nossas casas tão cheias. Restaram ali a minha geração, eu e mais 3 ou 4 primos e mais alguns amigos, e assim compramos caiaques surfinhos para “desbravar” as águas do Lagamar.
Garotos ainda na fase de estudo, sem dinheiro para qualquer projeto mais ambicioso, sentimos ali, a experiência da liberdade, da aventura, da expansão de horizontes e que foi crucial no reforço da autoestima e independência, pois nos fez sentir capazes. Esta percepção da vida que o caiaque proporcionou, não é exclusividade minha e de meus primos. Quase todos que experimentam se aventurar com caiaques sentem o mesmo. É mágico! E muito acessível, pois passada a fase de aquisição, do modelo que for, os custos envolvidos à seguir são os básicos de alimentação e hidratação, no caso, pode ser água mesmo (Não há melhor!). Isto é, a garotada vivia na água, indo e vindo de lá para cá, saindo cedo e às vezes voltando à noite, e num ambiente seguro, pois o Lagamar do qual Iguape pertence, é de águas abrigadas e de baixíssimo risco para quem sabe nadar e utiliza o colete salva-vidas.
1984, início das competições de canoagem
Nessa época, a febre já havia tomado conta de várias cidades, e muitas já organizavam competições de caiaque. A primeira que ouvi à respeito foi competições em Santos, com dezenas de canoístas participantes. Iguape não ficou de fora, e organizou uma prova que se iniciou na Toca do Bugio (bairro de Iguape), indo até aonde se encontra a ponte de travessia para a Ilha Comprida, e retornando à Toca do Bugio para a chegada.
Ganhando aquela competição, mesmo que não tivesse nenhum peso nas competições oficiais, a injeção de ânimo tomou conta, fazendo com que meus sonhos e desejos tomassem forma. Esse é o mesmo efeito que vemos ainda hoje, nas experiências esportivas com crianças e jovens, transformando, abrindo possibilidades e nutrindo esperanças.
1985, 1º Curso de Canoagem da USP
Ano de ingresso na Faculdade de Odontologia da Usp, a qual está inserida numa Cidade Universitária, às margens do rio Pinheiros na cidade de São Paulo. Mas a USP, tem uma vasta área para acolher várias faculdades dentro do campus, com muita área verde, e um Complexo Esportivo de primeiro mundo, além de uma Raia Olímpica para remo, fundada em 1972, abrigando clubes de remo, como Espéria, Corinthians, Bandeirante, Paulistano e Pinheiros, além do próprio CEPEUSP, muitos deles originários do rio Tietê, quando suas águas eram balneáveis e tiveram o Remo e a Natação como esporte dos paulistanos desde o início de 1900 até a década de 40, quando a poluição iniciou a transformação dos rios de São Paulo (há documentos do uso do caiaque já na década de 20, no rio Tietê!).
Neste ano, aproveitando a obrigatoriedade de cumprir os “créditos” destinados à educação física, escolhi o Remo. Iniciando com treinamentos físicos e barco escola, para em seguida remar o Yole 8, barco de madeira lindíssimo, com 8 remadores e um “patrão” ou timoneiro.
Remos grandes e pesados, de costas para onde se ia, já no segundo mês de curso, vi um caiaque diferente, como nunca havia visto, passando na direção contrária em alta velocidade. Não me contive! Ao terminar o treino corri para descobrir do que se tratava, e assim conheci o Carlos Alberto Bezerra, que iniciaria naqueles meses, o 1º Curso de Canoagem da Usp, e rapidamente me inscrevi. (O Bezerra foi um dos grandes incentivadores do esporte canoagem por muitas décadas, e descobrindo na Raia, vários atletas de importância internacional. Depois, seguiu sua carreira alcançando o cargo de Diretor do CEPEUSP).
Estar imerso na Raia, algumas vezes no amanhecer e muitas outras no entardecer, marcaram meus dias de estudos com uma dose de endorfina e serotonina, fazendo dos anos universitários serem meus Anos Dourados.
As provas e competições ocorriam quase todo fim de semana. Sempre tinha um Município organizando eventos, e a vida seguia com treinos durante a semana e viagens na madrugada do sábado. Muito intenso cumprir essa agenda, rsrs, mas o sentimento era de “carregar a bandeira” da canoagem e ao mesmo tempo conhecer cidades lindas de São Paulo e Rio de Janeiro, sempre banhadas por um rio, represa ou mar.
No início utilizávamos os caiaques turismo, mas logo chegaram os primeiros caiaques olímpicos de velocidade, seguidos de muitos treinos para dominar o equilíbrio sobre aquelas “agulhas”.
Com meu porte mediano, logo percebi que o que importava era participar, pois vencer uma prova oficial era dificílimo, pois sempre havia alguém mais alto e/ou mais forte que vencia. Mas juro, sempre me esforcei ao máximo, e sempre me senti privilegiado em estar lá, fazendo parte.
Mas, o destino logo me mostrou outro caminho. Haveria uma filmagem para a TV Cultura, e o treinador Bezerra convidou os alunos, para quem quisesse participar, que fosse até o Rio Juquiá na cidade de Juquitiba.
Lá fui eu, ter o meu primeiro contato com as corredeiras do Juquiá, e conhecer pessoas que se tornaram amigos e companheiros de muitas aventuras no futuro.
As corredeiras do Rio Juquiá
Foi assim que conheci a turma da Canoar, Zé Pupo, Eduardo Perroti, Werner e Pablo Wiedenbrug, Massimo Desiati e tantos outros amigos queridos onde compartilhamos muitas viagens e perrengues nos rios encachoeirados deste Brasil.
Os finais de semana de treinos, agora eram no Juquiá, no sítio da Canoar, e lá chegava sábado cedo, passava o dia no rio e à noite a barraca era minha casa. Foi assim por anos.
Com essa turma aprendi a remar nas águas brancas, e naturalmente além das expedições para abrir novas “linhas” descobrindo novos rios, o Slalom (modalidade olímpica de canoagem em águas brancas) entrou na vida de todos nós, e o universo foi se expandindo…
Hoje fazendo a contagem dos anos, parecem muito pouco para o que vivemos naquela época. A vida rodava entorno daquele universo de treinos na semana, treinos técnicos nos finais de semana e as competições. Quando não havia nenhum compromisso, combinávamos de ir à praia para caiaque surf (Paúba e Maresias) ou para alguma expedição para abrir novas linhas, como o Paraibuna Paulista que fizemos de Cunha até São Luis do Paraitinga.
Início da vida Profissional X Canoagem
Com a conclusão de minha faculdade, minha família achava que eu iria sossegar, mas desde o início, conciliei horários para que pudesse continuar na canoagem. Talvez isso tenha impactado meus resultados nas provas, pois já não conseguia ter um volume de treino como enquanto estudante, mas as participações em provas se intensificaram, pois não tinha mais nenhum compromisso nos finais de semana que me prendessem em São Paulo, estava solto no mundo.
Três Coroas/RS, época que era a capital da canoagem slalom
Em 1992 conheci Três Coroas no Rio Grande do Sul, que naquela época era a capital da canoagem slalom (Fui trabalhar em um Panamericano no controle de flutuação dos coletes e verificação das dimensões dos caiaques). O encantamento pelo sul e pelos gaúchos foi de imediato. O clima, a cultura e as pessoas me fizeram sentir na Europa (que eu ainda nem conhecia, rsrs) . Foram muitos anos com um vínculo forte com Três Coroas, e eu passava um bom tempo lá à cada ano. Cidade que me deixou saudades, estas reforçadas pelas amizades que me fazem guardar boas lembranças! Ainda hoje, se puder visitá-los, passo por lá. ( Saudades também de remar no Paranhana!)
Durante esses anos de Slalom, sempre belisquei pódios no Paulista, disputando entre amigos da Canoar e outros de Piracicaba. No Brasileiro, sempre mais concorrido, a meta era ficar entre o top 10, e quando conseguia, já ficava super contente.
No paulista, estávamos também desenvolvendo as competições de Descenso, ou Velocidade em Corredeira, e aí lembro de ter vencido em 1991 e 92. Acho que foi Pirajú, interior de São Paulo.
Expedição Amazônia de caiaque
1991 tb teve uma expedição que me marcou muito, a Expedição Amazônia, organizada pelo canoísta Janarí que trabalhava em Brasília, mas era manauara. Conseguiu reunir mais de 30 remadores, com caiaques duplos oceânicos ( construídos pelo João Tomasini em Estrela, RS). Foi incrível, fomos de avião para Manaus, e então subimos em um barco à motor, por 3 dias ininterruptos o Rio Solimões até a cidade de Coari. Lá iniciamos nossa expedição de volta, descendo o rio, até o encontro das águas entre o Solimões e o Rio Negro. Foram mais de 10 dias, fazendo contato com as populações ribeirinhas, desde pequenos povoados até cidades já organizadas. Não seguimos só com os caiaques, dormimos no barco gaiola, em redes, e todas as refeições também eram feitas nele. Conosco, participaram jornalistas, médicos (que fizeram atendimento à população) e alguns funcionários do Ibama.
1992, Sul Americano de Descenso na Argentina
O ano de 1992 foi marcado pela participação no Sul americano de Descenso na Argentina, em um rio de degelo perto de San Juan. O bronze veio com um gosto de ouro, rsrs, muito feliz.
1994, início do Caiaque Polo no Brasil
94 surgiu uma nova modalidade, foi o 1º Campeonato Mundial de Caiaque Polo, um jogo praticado em piscina ou lago, entre dois times de caiaques com uma bola. A Confederação viu a oportunidade de trazer esta modalidade para o Brasil, e aproveitou canoístas que já estavam na França participando do Mundial de Slalom e os enviou para a Inglaterra. Eu segui para Londres e depois Sheffield para me encontrar com o grupo, completo com mais um integrante, o Ennio Robba, que foi nosso reserva e observador, para mais tarde se tornar o Técnico da Seleção Brasileira por vários anos.
95 é um ano que guardo com muito carinho, pois juntamente com o time Wider, composto por amigos, fomos campeões do Campeonato Brasileiro de Caiaque Polo. ( “Wi” dos irmãos Werner e Pablo Wiedenbrug, o “De” dos irmãos Massimo e Fábio Desiati, e o “R” do meu Ribeiro, além da presença do Bruno Theil à época, com o nosso treinador Marcus Vinicius)
Também, em Cerquilho, por ter completado 30 anos, participei do Brasileiro de Slalom como Master, e me consagrei campeão.
Mas segui como goleiro da seleção até o Mundial de Adelaide na Austrália, em 1996, outra experiência riquíssima, já composta com atletas que treinavam especificamente para a modalidade. Os treinos durante esse período eram super intensos, até pela rivalidade criada nos campeonatos estaduais, principalmente com o “São Polo”, e que ajudou em muito o desenvolvimento de todos, pois estávamos emocionalmente envolvidos e comprometidos.
1998, acidente no rio Jacaré-pepira em Brotas
As competições de águas brancas seguiram, e nossas presenças eram sempre requisitadas. O “nossa” era a turma toda, pois continuava o sentimento de “vestir a camisa” da canoagem, nos fazendo presentes e mantendo o esporte vivo.
Mas em 98, o acidente. Na abertura do Campeonato Paulista na cidade de Brotas, no rio Jacaré-pepira, no dia anterior, após os treinos, junto com 5 amigos, fui descer o trecho do rio abaixo da pista de Slalom.
Pulamos o salto, e numa “garganta” à seguir, errei a linha d’água e fiquei preso entre duas lages, embaixo da água. Foi muito tempo, o suficiente para me impactar de tal forma, que não consegui seguir com a canoagem, interrompendo essa linda história de forma abrupta e traumática para mim.
Voltou a remar nas Corridas de Aventura
Após alguns anos afastado, praticando windsurf, voltei a remar nas Corridas de Aventura, que são compostas por três modalidades: corrida de montanha; mountain bike e canoagem. E foi assim que fui retornando às remadas, quase sem perceber, em caiaques abertos. Muitas histórias e aventuras nas provas dos Adventure Camp; Ultimate Adventure; Haka Race e Terra de Gigantes, todas feitas com a galera do time MataDentro Aventura, de 2005 até 2023, mas irei voltar, rsrs, isso ainda não acabou.
Canoagem oceânica em casal
Mas com a pandemia em 2020, e a interrupção de todos os eventos, iniciei junto com a Fabi um treinamento para fazermos à pé o Caminho da Fé, de Águas da Prata até Aparecida do Norte. 320km em 12 dias que mudaram nossas vidas, pois nos descobrimos como dupla, e o desejo que surgiu era de continuar essas experiências outdoor, de aventura como casal, mas fora de competições, apenas por lazer e contemplação.
Assim surgiu a ideia de retornar para a canoagem, reproduzindo os passeios e travessias que me marcaram tanto na adolescência, um resgate dessa essência em Iguape e no Lagamar do Complexo Estuarino que passa por Cananéia e chega até Antonina no Paraná.
Iniciamos com treinamentos curtos nos domingos na Guarapiranga, no Vit Canoagem (dentro da Team Brazil), e assim que a Fabi se encantou, compramos o nosso próprio, um Marajó da Ygará feito pelo Mauro. Depois disso, as remadas em Iguape foram acontecendo, e o sentimento de “desbravar” a região, agora como casal, foi novamente mágica e contagiante.
Como surgiu a Tupi Caiaques
O convite para redigirmos um roteiro de canoagem para Iguape e região, nos envolveu ainda mais emocionalmente, e a ideia de organizarmos um evento associado ao roteiro, foi a “cereja do bolo”.
Empolgadíssimos, fizemos ligações para alguns amigos líderes de opinião para sentir a repercussão, que foi positiva, mas neste momento descobrimos que o Mauro havia interrompido a produção de caiaques. Preocupado com o movimento de canoagem que mal havíamos iniciado, fomos procurar alguém que quisesse aproveitar essa “janela de oportunidade”, e o nosso amigo e entusiasta Ricardo Ragni saiu à busca. Após 2 meses, à procura nos trouxe o Isaac, que super habilidoso e com conhecimento na área, precisava de alguém para investir com ele. Bem, não preciso mais explicar que toda aquela emoção descrita e acumulada por todos esses anos de minha história, afloraram, e cá estamos.
Espero que continuemos a escrever a história da canoagem brasileira, não mais por estas letras, mas que sejam através de caiaques coloridos despertando novas e incríveis histórias e descobertas! Que não mais sejamos protagonistas, e sim assistentes ou auxiliares na construção de muitas memórias, inclusive a sua se você nos permitir.
Que a vida seja longa e com saúde para continuar navegando por suas águas.
Sérgio
Respostas de 2
Excelente ! História que acompanho desde o início , como amigo e irmão mais velho , rsrs! Vá em frente sempre você e Fabi ! Realizando mais que sonho , um empreendimento que compartilha oportunidade de realização para muitos ! Abração
Muito obrigado Marcão!!
Seguimos com remadas fortes, não importando a maré!!
Bjo no coração!
Sérgio